Um grupo evangélico encontrou Jesus durante um trabalho de umbanda. Feito, inclusive, por eles com católicos e adeptos da religião espírita, com o intuito de interferir na vida de 130 famílias da Zona Oeste. Fiéis a um programa de estágio na Tenda Espírita Caboclo Flecheiro, em Santíssimo, os religiosos gospel contam que sentem a presença de Deus no projeto social.
- Enxergo Deus e Jesus dentro desse terreiro. Eu precisava de um estágio e, quando fui convidada a participar, corri no banheiro da faculdade (evangélica) e orei: Senhor, entrego em tuas mãos. Vim confiante. O objetivo aqui é só a ajuda ao próximo - elogia Rosemere Mathias, de 48 anos, convertida na igreja Assembléia de Deus Nova Filadélfia.
O encontro dos religiosos não tem qualquer vínculo litúrgico. Ao contrário, eles se reúnem apenas para celebrar o aprendizado do curso de Assistência Social, que já chegou ao seu 8 período em uma faculdade cristã.
- Antes, eu tinha uma ideia horrorosa dos terreiros. Quando era mais nova, achava que tudo era obra do capeta. É que, na concepção de alguns evangélicos, Deus só está na igreja deles. Era falta de conhecimento minha - destaca a estagiária Andreia de Oliveira, de 35 anos, que atualmente procura uma igreja.
Ação social
O grupo se reúne no terreiro, a cada 15 dias, para distribuir pepinos às famílias assistidas. E também abacaxis, abóboras e bananas, além de frutas em geral. E, em uma sala, apuram a necessidade de cada uma - 80% delas evangélicas -, orientando-as em casos jurídicos, de saúde e até na retirada de documentos. Fora as palestras educativas sobre câncer de mama, verminoses e o uso de preservativos. E tudo gratuito.
Uma alegria para a umbandista Meri Silva, de 45 anos, que convidou os amigos de turma para o estágio quando soube da necessidade de mão de obra social no terreiro.
- No grupo de estágio, temos até um pastor e duas pastoras. Vejo o verdadeiro amor de Cristo neles. Fui cristã dos 9 aos 22 anos. Mas tive decepções e entrei em depressão. Fui acolhida aqui com amor - conta Meri, ex-evangélica.
O dirigente do terreiro, Marco Xavier, também elogia o projeto “Fé com Atitude”, há um ano com os estagiários. - São excelentes religiosos por quebrarem tabus em relação a Umbanda - afirma Marco Xavier.
Professora dá uma lição de tolerância
A professora de educação física Carla Gomes, de 32 anos, adora ir a cultos evangélicos a caráter. De saia comprida, mas com roda e muitas cores, ela senta na cadeira da Igreja Assembléia de Deus Ministério Vencedor, em Campo Grande, usando pulseiras, argolas, pano de cabeça e até rastafári e dreadlocks no cabelo. É como apresenta aos fiéis a sua cultura, a dos negros.
- Hoje, há uma cultura em demonizar a religião, as vestes, os costumes dos negros. Eu quis mudar isso. Nas escolas que dei aula, gostava quando as crianças entendiam que as coisas dos negros são legais, que elas (crianças) fazem parte disso. E são essa história. Essa é a minha missão - revela Carla, pós-graduada em História da África e professora de jongo, maracatu, coco, maculelê e samba de roda pela Cia. Banto, fundada por ela.
O pastor Enildo Carneiro, de 55 anos, abençoa:
- Ela pode vir assim à igreja. Alguém pode estar alinhado, de terno, e não ser do Senhor. Vestimentas não dizem nada. A espiritualidade, sim. É que muitos pastores pegam um pedacinho da palavra de Deus e fazem disso uma imposição.
‘Hoje penso: cada um com a sua religião’
Depoimento de Rosemere Mathias de 48 anos, técnica de enfermagem e estudante
“Ainda tem muita gente sem visão (no mundo evangélico). Eu mesma não imaginava que estaria em um terreiro de Umbanda fazendo caridade. Acho que até eu era limitada. Mas o preconceito, lá fora, é muito grande. Hoje penso: cada um com a sua religião. E isso não se discute. Aqui no estágio, o Marcos (dirigente do terreiro) nunca tentou me converter à umbanda e nem falou sobre religião comigo. O nosso objetivo aqui (dos estagiários) é ajuda, trabalho. Na faculdade, antes de começar o estágio, ainda ouvi: olha, você está lá? O senhor não vai gostar.”
Por Bruno Cunha
Dica: Silvia Alves